Podemos entender a sociologia como umas das manifestações do pensamento moderno. O seu surgimento ocorre num contexto histórico específico, que coincide com os derradeiros momentos da desagregação da sociedade feudal e da consolidação da civilização capitalista. Foi o resultado da elaboração de um conjunto de pensadores que se empenharam em compreender as novas situações de existência que estavam em curso. O século XVIII constitui um marco importante para a história do pensamento ocidental e para o surgimento da sociologia. As duas revoluções que este século testemunha: a industrial e a francesa, constituía os dois lados de um mesmo processo , qual seja, a instalação definitiva da sociedade capitalista. A palavra sociologia só surge um século depois, por volta de 1830, e são os acontecimentos proporcionados pelas duas revoluções que antecede e a torna possível. A revolução industrial significou algo mais do que a introdução da máquina a vapor e dos sucessivos aperfeiçoamentos dos métodos produtivos. Ela significou o triunfo da indústria capitalista. Os avanços em relação à consolidação da sociedade capitalista significava a ocultação de costumes e instituições, e a introdução de novas formas de organizar a vida social. A utilização de máquinas na produção, não só destruiu o artesão, que era independente, como forçou o mesmo a viver uma severa disciplina, a novas formas de conduta e de relações de trabalho, totalmente diferentes do que ele estava acostumado. As consequências da rápida industrialização e urbanização levadas a cabo pelo sistema capitalista foram tão visíveis quanto trágicas: aumento assustador da prostituição, do suicídio, do alcoolismo, do infanticídio, da criminalidade, da violência, de surtos de epidemia de tifo e cólera que dizimaram parte da população etc. Um dos fatos de maior importância relacionados com a revolução industrial é sem dúvida o aparecimento do proletariado e o papel histórico que ele desempenharia na sociedade capitalista. Levaram os trabalhadores a manifestações de revolta como: a destruição das máquinas, atos de sabotagem, explosão de algumas oficinas, roubos e crimes, levando assim a criação de associações livres, formação de sindicatos. Com consciência dos seus interesses, começaram a organizar-se para enfrentar os proprietários dos instrumentos de trabalho. Produziram seus jornais, sua própria literatura, criticando a sociedade capitalista e inclinando para o socialismo como alternativa de mudança. Estas mudanças foram importantes para a sociologia. Desencadearam num plano de análise, ou seja, esta passava a se constituir em “problema”, em “objeto” que deveria ser investigado. Os pensadores ingleses que testemunhavam estas transformações e com elas se preocupam não eram, no entanto,homens de ciência ou sociólogos que viviam desta profissão. Eram antes de tudo homens voltados para a ação, que desejavam introduzir determinadas modificações na sociedade. Eles não desejavam produzir um mero conhecimento sobre as novas condições de vida geradas pela revolução industrial, mas procuravam extrair dele orientações para a ação. Tal fato significa que os precursores da sociologia foram recrutados entre militantes políticos, entre indivíduos que participavam e se envolviam profundamente com os problemas de suas sociedades. A sociologia constitui em certa medida uma resposta intelectual às novas situações colocadas pela revolução industrial. É a formação de uma estrutura social muito específica, a sociedade capitalista, que impulsiona uma reflexão sobre a sociedade, sobre suas transformações, suas crises, seus antagonismos de classe. Portanto o surgimento da sociologia, deriva em parte aos abalos provocados pela revolução industrial. Mas ocorreria uma outra circunstância que contribuiu para sua formação. Trata-se das modificações que vinham ocorrendo nas formas de pensamento. Desde o século XVI, onde começaram as transformações econômicas, no ocidente europeu, provocaram modificações na forma de conhecer a natureza e a cultura. Com o emprego da razão e do livre exame da realidade, que eram os traços dos pensadores do século XVII; os chamados racionalistas, contribuiu para libertar o conhecimento do controle teológico, da tradição, da revelação. Já no século XVIII, alguns historiadores escoceses influencia as ideias de Bacon, como a de que é a indução, e não a dedução, que nos revela a natureza do mundo e a importância da observação enquanto instrumento para a obtenção do conhecimento. E é entre os pensadores franceses deste século que um grupo de filósofos procurou transformar as velhas formas de conhecimento. Os iluministas insistiam numa explicação da realidade baseada no modelo das ciências da natureza. Nesse sentido, eram influenciados mais por Newton, com seu modelo de conhecimento baseado na observação, na experimentação e na acumulação de dados, do que por Descartes, com seu método de investigação baseado na dedução. Combinando o uso da razão e da observação os iluministas analisaram quase todos os aspectos da sociedade. O visível progresso das formas de pensar, fruto das novas maneiras de produzir e viver, contribuía para afastar interpretações baseadas em superstições e crenças infundadas, assim como abria um espaço para a constituição de um saber sobre os fenômenos histórico-sociais. E não era um privilégio apenas de filósofos e homens que se dedicavam ao conhecimento. O “homem comum” dessa época também deixava, cada vez mais, de encarar as instituições sociais, as normas, como fenômenos sagrados e imutáveis, submetidos a forças sobrenaturais, passando a percebê-las como produtos da atividade humana, portanto passíveis de serem conhecidas e transformadas. O objetivo da revolução de 1789 não era apenas mudar a estrutura do Estado, mas abolir radicalmente a antiga forma de sociedade, com suas instituições tradicionais, seus costumes e hábitos arraigados, e ao mesmo tempo promover profundas inovações na economia, na política, na vida cultural etc. Um dos fundadores da sociologia, Durkheim, por exemplo, afirmou certa vez que a partir do momento em que a “tempestade revolucionária passou, constituiu-se como que por encanto a noção de ciência social.”. Pensadores franceses da época, como Saint-Simon, Comte, Le Play e outros, concentraram suas reflexões nas consequências da revolução. Utilizaram expressões como “anarquia”, “pertubação”, “crise”, “desordem”, para julgar a nova realidade provocada pela revolução. A tarefa que esses pensadores se propõem é a de racionalizar a nova ordem, encontrando soluções para o estado de “desorganização” então existente. A missão pela qual se entregaram foi de restabelecer a “ordem e a paz”. A verdade é que a burguesia, uma vez instalada no poder, se assusta com a própria revolução. Segundo os interesses da burguesia seria necessário controlar e neutralizar novos levantes revolucionários. Segundo Saint-Simon, afirma que “a filosofia do último século foi revolucionária; a do século XX deve ser reorganizadora”. A tarefa que os fundadores da sociologia assumem é, portanto, a de estabelecer a nova ordem. Comte também é muito claro quanto a essa questão. Para ele, a nova teoria da sociedade, que ele denominava de “positiva”, deveria ensinar os homens a aceitar a ordem existente, deixando de lado a sua negação. Determinados pensadores da época estavam imbuídos da crença de que para introduzir uma “higiene na sociedade, para “reorganizá-la”, seria necessário fundar uma nova ciência. Esta nova ciência surge com interesses práticos e não “como que por encanto”. A jovem ciência assumia como tarefa intelectual repensar o problema da ordem social, enfatizando a importância de instituições como a autoridade, a família, a hierarquia social, destacando a sua importância teórica para o estudo da sociedade. Inicialmente revestiu-se de um indisfarçável conteúdo estabilizador, ligando-se aos movimentos de reforma conservadora da sociedade. Numa palavra, a ciência conduz à previdência, e a previdência permite regular a ação. A oficialização da sociologia foi portanto em larga medida uma criação do positivismo, e uma vez assim constituída procurará realizar a legitimação intelectual do novo regime. É no pensamento socialista, em seus diferentes matizes, que o proletariado, esse rebento da revolução industrial, buscará seu referencial teórico para levar adiante as suas lutas na sociedade de classes. A sociologia sempre foi algo mais do que mera tentativa de reflexão sobre a moderna sociedade. Suas explicações sempre contiveram intenções práticas, um desejo de interferir no rumo desta civilização, tanto para manter como para alterar os fundamentos da sociedade que a impulsionaram e a tornaram possível.
CAPÍTULO SEGUNDO: A FORMAÇÃO No final do século passado, o matemático francês Henri Poicaré referiu-se à sociologia como ciência de muitos métodos e poucos resultados. As inúmeras pesquisas realizadas pelos sociólogos, a presença da sociologia nas universidades, nas empresas, nos organismos estatais, atestam a sua realidade. A existência de interesses opostos na sociedade capitalista penetrou e invadiu a formação da sociologia. Este contexto histórico influenciou enormemente suas visões a respeito de como deveria ser analisada a sociedade, refletindo-se também no conteúdo político de seus trabalhos. Tal situação, evidentemente, continua afetando os trabalhos dos sociólogos contemporâneos. Não podemos perder de vista o fato de que a sociologia surgiu num momento de grande expansão do capitalismo. Alguns sociólogos assumiram uma atitude de otimismo diante da sociedade capitalista nascente, identificando os valores e os interesses da classe dominante como representativos do conjunto da sociedade. O ponto de partida dos conservadores foi o impacto da Revolução Francesa, que julgavam um castigo de Deus à humanidade. Não cansavam de responsabilizar os iluministas e suas ideias como um dos elementos desencadeadores da Revolução de 1789. Consideravam as crenças iluministas como aniquiladoras da propriedade, da autoridade, da religião e da própria vida. A Revolução de 1789 era, na visão dos “profetas do passado”, o último elo dos acontecimentos nefastos iniciados com o Renascimento, a Reforma Protestante e a Era da Razão. As ideias dos conservadores constituíam um ponto de referência para os pioneiros da sociologia, interessados na preservação da nova ordem econômica e política que estava sendo implantada nas sociedades europeias ao final do século passado. É entre os autores positivistas, de modo destacado Saint-Simon, Auguste Comte e Emile Durkheim, que as ideias dos conservadores exerciam uma grande influência. Alguns deles chegavam a afirmar que a “escola retrógrada”, por eles considerada imortal, seria sempre merecedora da admiração e da gratidão dos positivistas. É comum encontrarmos a inclusão de Saint-Simon (1760-1825) entre os primeiros pensadores socialistas. Ele também é saudado como um dos fundadores do positivismo. Durkheim costumava afirmar que o considerava o iniciador do positivismo e o verdadeiro pai da sociologia, em vez de Comte, que geralmente tem merecido esse destaque. Saint-Simon tem sido geralmente considerado o “mais eloquente dos profetas da burguesia”, um grande entusiasta da sociedade industrial. O avanço que estava ocorrendo no conhecimento científico foi percebido por ele, que notou, no entanto, uma grande lacuna nesta área do saber. Tratava-se, exatamente, da inexistência da ciência da sociedade. Ela era vital, em sua opinião, para o estabelecimento da nova ordem social. A nova ciência deveria descobrir as leis do progresso e do desenvolvimento social. Jamais ocultou sua crença de que as melhorias das condições de vida dos trabalhadores deveriam ser iniciativa da elite formada pelos industriais e cientistas. Comte é um pensador inteiramente conservador, um defensor sem ambiguidades da nova sociedade. Para ele, a propagação das ideias iluministas em plena sociedade industrial somente poderia levar à desunião entre os homens. Para haver coesão e equilíbrio na sociedade seria necessário restabelecer a ordem nas ideias e nos conhecimentos, criando um conjunto de crenças comuns a todos os homens. Em seus trabalhos, sociologia e positivismo aparecem intimamente ligados, uma vez que a criação desta ciência marcaria o triunfo final do positivismo no pensamento humano. O advento da sociologia representava para Comte o coroamento da evolução do conhecimento científico, já constituído em várias áreas do saber. A nova ciência deveria utilizar em suas investigações os mesmos procedimentos das ciências naturais, tais como a observação, a experimentação, a comparação etc. Comte considerava como um dos pontos altos de sua sociologia a reconciliação a “ordem” e o “progresso”, pregando a necessidade mútua destes dois elementos para a nova sociedade. A sociologia positivista considerava que a ordem, existente era, sem dúvida alguma, o ponto de partida para a construção da nova sociedade. Também para Durkheim (1858-1917) a questão da ordem social seria uma preocupação constante. De forma sistemática, ocupou-se também com estabelecer o objeto de estudo da sociologia, assim como indicar o seu método de investigação. É através dele que a sociologia penetrou a Universidade, conferindo a esta disciplina o reconhecimento acadêmico. Durkheim acreditava que a raiz dos problemas de seu tempo não era de natureza econômica, mas sim uma certa fragilidade da moral da época em orientar adequadamente o comportamento dos indivíduos. Para ele, seria de fundamental importância encontrar novas ideias morais capazes de guiar a conduta dos indivíduos. Possuía uma visão otimista da nascente sociedade industrial. O positivismo durkheimiano acreditava que a sociedade poderia ser analisada da mesma forma que os fenômenos da natureza. O sociólogo precisava se encontrar em um estado de espírito semelhante ao dos físicos ou químicos. A função da sociologia, nessa perspectiva, seria a de detectar e buscar soluções para os “problemas sociais”, restaurando a “normalidade social” e se convertendo dessa forma numa técnica de controle social e de manutenção do poder vigente. A formação e o desenvolvimento do conhecimento sociológico crítico e negador da sociedade capitalista sem dúvida liga-se à tradição do pensamento socialista, que encontra em Marx (1818-1883) e Engels (1820-1903). Constitui uma complexa operação intelectual, na qual são assimiladas de maneira crítica as três principais correntes do pensamento europeu do século passado, ou seja, o socialismo, a dialética e a economia política. Se a preocupação básica do positivismo foi com a manutenção e a preservação da ordem capitalista, é o pensamento socialista que procurará realizar um crítica radical a esse tipo histórico de sociedade, colocando em evidência os seus antagonismos e contradições. Para eles o materialismo então existente também apresentava falhas, pois era essencialmente mecanicista, isto é, concebia os fenômenos da realidade como permanentes e invariáveis. Segundo eles, este materialismo estava em descompasso com o progresso das ciências naturais, que já haviam colocado em relevo o funcionamento dinâmico dos fenômenos investigados, desqualificando uma interpretação que analisa a natureza como coisa invariável e eterna. A aplicação do materialismo dialético aos fenômenos sociais teve o mérito de fundar uma teoria científica de inegável alcance explicativo: o materialismo histórico. A função da sociologia, nessa perspectiva, não era a de solucionar os “problemas sociais”, com o propósito de restabelecer o “bom funcionamento da sociedade”, como pensavam os positivistas. Ela deveria contribuir para a realização de mudanças radicais na sociedade. Sem dúvida, foi o socialismo, principalmente o marxista, que despertou a vocação crítica da sociologia, unindo explicação e alteração da sociedade, e ligando-a aos movimentos de transformação da ordem existente. Ao contrário da sociologia positivista, que via na crescente divisão do trabalho na sociedade moderna uma fonte de solidariedade entre os homens, Marx a apontava como uma das formas pelas quais se realizavam as relações de exploração, antagonismo e alienação. Contrariamente à Sociologia positivista, que concebia a sociedade como um fenômeno “mais importante” que os indivíduos que a integram, submetendo-o e dominando-o, a sociedade, nessa perspectiva era concebida como obra e atividade do próprio homem. São os indivíduos que, vivendo e trabalhando, a modificam. Mas, acrescentavam eles, os indivíduos não a modificam ao seu bel prazer, mas a partir de certas condições históricas existentes. A intenção de conferir à sociologia uma reputação científica encontra na figura de Max Weber (1864-1920) um marco de referência. A busca de uma neutralidade científica levou Weber a estabelecer uma rigorosa fronteira entre o cientista, homem do saber, das análises frias e penetrantes, e o político, homem de ação e de decisão comprometido com as questões práticas da vida. A ideia de uma ciência social neutra seria um argumento útil e fascinante para aqueles que viviam e iriam viver da sociologia como profissão. A formação da sociologia desenvolvida por Weber é influenciada enormemente pelo contexto intelectual alemão de sua época. A sociologia por ele desenvolvida considerava o indivíduo e a sua ação como ponto chave da investigação. Com isso, ele queria salientar que o verdadeiro ponto de partida da sociologia era a compreensão da ação dos indivíduos e não a análise das “instituições sociais” ou do “grupo social” tão enfatizadas pelo pensamento conservador. É no período que vai de 1830 às primeiras décadas do nosso século que ocorre a formação dos principais modos e conceitos de investigação da sociologia.
CAPÍTULO TERCEIRO: O DESENVOLVIMENTO O desenvolvimento desta ciência tem como pano de fundo a existência de uma burguesia que se distanciara de seu projeto de igualdade e fraternidade, e que, crescentemente, se comportava no plano político de forma menos liberal e mais conservadora, utilizando intensamente os seus aparatos repressivos e ideológicos para assegurar a sua dominação. Foram vários fatos que evidenciavam o caráter transitório e passageiro da sociedade moldada pela burguesia. São eles: o surgimento de grandes empresas, monopólio de produtos e mercados, o surgimento de guerras, a intensificação da organização política do movimento operário, as revoluções socialistas. Estes fatos abalavam as crenças na perfeição da civilização capitalista. Isto provocou sensíveis repercussões no pensamento sociológico contemporâneo. Estes acontecimentos fez com que o conhecimento científico fosse submetido aos interesses da ordem estabelecida. A sociologia também, em boa medida, passou a ser empregada como técnica de manutenção das relações dominantes. As pesquisas de sociólogos foram incorporadas á cultura e á pratica das grandes empresas, dos partidos políticos, a preservação das estruturas econômicas. O sociólogo de nosso tempo passou a desenvolver o seu trabalhos, via de regra, em complexas organizações privadas ou estatais que financiam suas atividades e estabelecem os objetivos e as finalidades da produção do conhecimento sociológico. Com algumas tendências críticas da sociologia, principalmente as que receberam a influência do pensamento socialista, continuaram a orientar os objetivos e as pesquisas de diversos sociólogos. O apoio e o incentivo institucional em nossa época têm sido dados a sociólogos e a um tipo de sociologia que estão a serviço dos mecanismos de integração social e de reprodução das relações existentes. O sociólogo moderno foi absorvido na luta pela manutenção das relações de dominação, isto burocratizou e domesticou o seu trabalho. As três primeiras décadas do nosso século, algumas ciências sociais foram mais utilizadas do que outras como instrumentos para encontrar soluções para problemas concretos de funcionamento da ordem estabelecida. Isto permitiu que diversos sociólogos desenvolvessem no interior das universidades um conhecimento que não correspondia tão prontamente às exigências de conservação da dominação burguesa. Nas três primeiras décadas deste século, a burguesia se mostrava conservadora e belicista. Defrontou-se com o movimento dos operários organizado. Controlava até certo ponto as ameaças dos movimentos e dos grupos revolucionários. Dessa forma a burocratização do trabalho intelectual não era ainda uma realidade viva e concreta que aprisionava e inibia a imaginação dos sociólogos. Durante aquele período a sociologia conheceu uma de seus fases mais ricas em termos de pesquisa. Permaneceram, durante este período, no trabalho de diversos pesquisadores alguns temas de investigação que preocuparam os estudiosos clássicos, como a questão de divisão do trabalho, a formação histórica do capitalismo e dos mecanismos sociais que possibilitam o funcionamento da ordem social. Durkheim, realizou interessante trabalho sobre a importância dos contextos sociais para os indivíduos, focalizando a questão da memória social, e procurando evidenciar que, sem os diversos grupos que compõe a sociedade, como a família e o grupo religioso, o indivíduo não seria capaz de reconstituir o seu passado. Durante esse período, vários estudiosos buscaram formular e classificar os diferentes tipos de relações sociais que ocorrem em todas as sociedades, independente do tempo e lugar. Estes trabalhos proporcionaram a elaboração de vários conceitos fundamentais da sociologia. As investigações de campo, nos Estados Unidos, desenvolvidas principalmente pela Universidade de Chicago, possibilitaram um grande avanço no levantamento de dados empíricos. Os sociólogos de Chicago concentraram-se avidamente no estudo dos novos estilos de vida que surgiram na corrida de uma urbanização extremamente veloz, provocando, segundo a linguagem de alguns destes sociólogos, vários “problemas sociais” e uma situação de “desorganização urbana”. Estudiosos como William Thomas, Robert Park, foram fundamentais no desenvolvimento da pesquisa de campo na sociologia. Foram estes dois pesquisadores os responsáveis pela formação de uma atuante geração de sociólogos. Pode-se mencionar Lous Wirth, Herbert Blumer, Everett Hughes e vários outros. Embora tenha sido um período de indubitável progresso para a afirmação e sistematização da sociologia como ciência, fruto dos inúmeros estudos realizados nas três primeiras décadas deste século, de um modo geral eles possuíam algumas limitações. Na Alemanha, as tentativas de “completar” de “refinar” o método dialético, de “libertá-lo” de sua concepção “normativa” e “dogmática”, visavam claramente a minimizar e neutralizar a sua influência no meio acadêmico. A disputa entre a sociologia alemã e o marxismo possibilitou um avanço no conhecimento sobre a sociedade. Estudos elaborados no calor da polêmica com o marxismo, ao lado de algumas contribuições teóricas e empíricas, passaram a minimizar o papel dos fatos econômicos na interpretação da vida social. As grandes transformações por que passavam as sociedades europeias nas três primeiras décadas do nosso século foram também objeto de estudos por parte de teóricos que mantinham claras ou tênues ligações com o pensamento socialista. A questão do imperialismo foi analisada por Lênin e Rosa Luxemburgo. Orientados pelo pensamento de Marx, buscaram compreender as mudanças que ocorriam neste sistema, principalmente a contínua expansão provocada pelo fenômeno do imperialismo. Estas importantes contribuições geralmente foram negligenciadas pela sociologia. A verdade é que estes trabalhos, grosso modo não eram considerados “sociológicos” no meio acadêmico, o pensamento socialista, principalmente o marxista, não estava representado nos departamentos das universidades, era considerado neste meio como uma doutrina “econômica”. O desenvolvimento da sociologia na segunda metade do nosso século foi profundamente afetado pela eclosão das duas guerras mundiais. Tal fato não poderia deixar de quebrar a continuidade dos trabalhos que vinham sendo efetuados, interrompendo drasticamente o intercâmbio de conhecimentos entre as nações. Com a implantação de regimes totalitários em alguns países europeus, levou à perseguição de intelectuais e cientistas. Com isso houve a emigração de um número considerável de pesquisadores para a Inglaterra e Estados Unidos. O amadurecimento das forças econômicas e militares por parte dos Estados Unidos, assim como a destruição infligida aos seus rivais na guerra, possibilitaram a sua emergência como grande potência do mundo capitalista. A partir de então, a sociologia desenvolveu-se vertiginosamente na sociedade norte-americana. Passou por um acentuado reformismo, investigando temas relacionados com a “desorganização social”, centrando a sua atenção em questões urbanas, na integração de minorias étnicas e religiosas. O seu desenvolvimento seria estimulado e sustentado pelo “Estado-do-Bem-Estar-Social”, que passou a utilizar os conhecimentos sociológicos para implementar a sua política de conservação da ordem existente. A sociologia, a partir dos anos cinquenta, seria arrastada e envolvida na luta pela contenção da expansão do socialismo, pela neutralização dos movimentos de libertação das nações subjugadas pelas potências imperialistas e pela manutenção da dependência econômica e financeira destes países em face dos centros metropolitanos. O desenvolvimento empírico que a sociologia americana experimentou – os trabalhos da “Escola de Chicago” são um marco de referência a este respeito – levou vários estudiosos a se dedicarem com verdadeiro furor à criação de novos métodos e técnicas de investigação. Esta avalanche empirista, que influenciou várias gerações de sociólogos americanos, irradiando-se também para os outros centros de investigação dos países centrais do capitalismo e também da periferia, representou uma profunda ruptura com o estilo de trabalho que realizaram os clássicos da sociologia. Estudiosos como Weber, Marx, Durkheim, Comte e outros, trabalharam questões com significação histórica, enfocando por exemplo, a formação do capitalismo. A ruptura de algumas tendências significativas da sociologia contemporânea com relação às preocupações dos pensadores clássicos, ao lado de um reformismo conservador preocupado com os problemas dos “desajustes sociais”, de uma postura teórica antimarxista, e da adoção de uma ética positivista, tudo isso possibilitou à sociologia se firmar como ciência de uma prática conservadora. É neste contexto que surge a melancólica figura do sociólogo profissional, que passa a desenvolver as suas atividades de correção da ordem, adotando uma atitude científica “neutra” e “objetiva”. Na verdade, a institucionalização da sociologia como profissão e do sociólogo como “um técnico, um “profissional como outro qualquer, foi realizada a partir da promessa de rentabilidade e instrumentabilidade que os sociólogos passaram a oferecer a seus empregadores potenciais, como o Estado moderno, as grandes empresas privadas e os diversos organismos internacionais empenhados na conservação da ordem em escala mundial. A profissionalização da sociologia, orientada para legitimar os interesses dominantes, constitui campo fértil para uma classe média intelectualizada ascender socialmente. A profissionalização do sociólogo, moldada por esta lógica de dominação, acarretou-lhe, via de regra, a sua conservação em assalariado intelectual e a domesticação do seu trabalho. Um funcionalista convicto – Robert Mertom sublinhou os excessos de algumas análises funcionalistas que consideram a sociedade como algo coerente e organizado, bastante organizado. Assinala ele que nem todos os elementos culturais ou sociais contribuem para o equilíbrio social, pois alguns deles podem ter consequências incômodas para uma certa sociedade, dificultando o “bom funcionamento” de sua ordem. Ao lado de uma sociologia que estendeu suas mãos ao poder, não se pode deixar de mencionar as importantes contribuições proporcionadas por uma sociologia orientada por uma perspectiva crítica. Em boa media, esta sociologia tem permitido a compreensão da sociedade capitalista atual, das suas políticas de dominação e dos processos históricos que buscam alterar a sua ordem existente. Vimos anteriormente que a sociologia encontrou sua vocação crítica na tradição do pensamento socialista, que tem analisado a sociedade capitalista como um acontecimento histórico transitório e passageiro. São os autores clássicos e as novas expressões do pensamento socialista que têm colocado a sociologia em contato com os processos de transformação da sociedade. Em grande medida, a função do sociólogo de nossos dias é liberar sua ciência do aprisionamento que o poder burguês lhe impôs e transformar a sociologia em um instrumento de transformação social.
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